sábado, 18 de dezembro de 2010

Para toda e qualquer moléstia existe sempre um remedinho porreta na Medicina Popular

        Jorge Xavier tinha mania de médico, bastava alguém manifestar qualquer indisposição, por mais insignificante que fosse, que ele abria seu baú de conhecimentos medicinais e receitava remédio que era tiro e queda. Pra ele não existia moléstia que não tivesse cura. Ele trabalhava mais na parte medicinal que em seu emprego de servidor público em repartição do governo.
        E nesse vai e vem de curandeirismo, Jorge ficou famoso em toda cidade de Santo Expedito da Cachoeira. Nas conversas de comadres, tinha sempre alguém que dizia: - Morreu porque não tinha jeito mesmo, pois, abaixo de Deus não tem outro como o Xavier!
        Certo dia, na repartição em que Jorge trabalhava chegou Cassemiro, um colega de trabalho arrastando os sapatos com grandes dificuldades, tamanha a gripe que o mesmo havia contraído no final de semana. Foi ver o amigo naquelas condições e Jorge aproximou-se de mansinho, dizendo baixinho em seu ouvido: - No horário de almoço, vou dar um jeitinho nessa sua gripe, conheço um remedinho que é bater e valer!
Cassemiro trabalhou o período da manhã de bandeira a meio pau, não conversou com ninguém. No horário do almoço, porém, Jorge tomou o paciente pelo braço e juntos caminharam em direção ao bar que atendia pelo sugestivo nome de Segura as pontas.
        Já no interior do estabelecimento, sem mais delongas, Jorge mandou o barman descer uma doze dupla de conhaque, suco de um limão bravo e uma colher de sal. Após ter misturado bem aquele levanta defunto, jogou o copo na mão de Cassemiro e mandou que ele bebesse até a última gota. O paciente, fazendo careta engoliu aquele xarope milagroso.
        A reação ao medicamento foi imediata e teve efeito tão devastador no organismo de Cassemiro, que ele que havia entrado no Segura as pontas, há pouco mais de cinco minutos, levado pelas próprias pernas, saiu rebocado nos braços de uma maca da ambulância do Hospital Municipal.
        Três dias de CTI com soro e medicamento de alto calibre trafegando em suas veias e vasos adjacentes. Finalmente, quando Cassemiro foi transferido para quarto de enfermaria, recebeu um telefonema de Jorge comunicando-lhe que pretendia visitá-lo na tarde do próximo domingo. Cassemiro não pensou duas vezes e precavido com sua saúde colocou dois brutamontes de sentinela na porta do quarto, com ordens expressas para não deixar Jorge adentrar, nem se ele viesse disfarçado de médico ou enfermeira, pois, tinha certeza que não agüentaria uma nova remessa medicamentosa a base de conhaque e limão bravo.
        Ordem dada, ordem cumprida e assim que Jorge colocou os pés no interior do Hospital Municipal, foi extraído de imediato a poder de chutes e safanões e na portaria principal do hospital, ele ainda levou um sopapo tão bem endereçado e com tamanha dose de veneno na nuca, que atravessou a Avenida Senhor dos Passos voando por sobre os carros que trafegavam naquelas imediações, indo aterrissar no passeio oposto, já com pé direito no primeiro degrau do ônibus, pois, tinha que voltar para casa, para atender uma paciente que sofria de unha encravada.
        E foi exatamente essa unha encravada que colocou ponto final na carreira medicinal de Jorge Xavier. Ele receitou uma poção que tinha a seguinte composição: Uma colher enxofre, duas pontas de asas de morcego, uma pitada de chifre de bode moído, cinco gramas de casco de mula manca e três unhas de galinha preta. Não deu outra, foi a paciente tomar o medicamentoso porreta e pegar carona na primeira nuvem que trafegou sobre a cidade, indo de imediato prestar contas a São Pedro.
       Por essa e por outras tantas, Xavier que dizia ter cursado até o quinto período de medicina, em faculdade de renome internacional no interior do Acre, foi demitido da repartição pública por justa causa e caiu no colo da justiça onde encarou um processo com mais de oitenta laudas por charlatanismo e outros desatinos. Nas asas desse processo ele voou para o pavilhão dois, no interior da Penitenciária Justiça Seja Feita, onde pegou um pau-de-formiga de dez anos de gaiola, deliberado por júri popular e homologado pelo Meritíssimo Juiz da Comarca, evitando-se dessa forma, que ele devastasse a população da cidade a poder de xaropes e poções.  
      Enquanto Xavier cumpria pena em regime de segurança máxima, a cidade dormia o sono dos justos, até que certa manhã o glorioso jornal O Imparcial estampou manchete de primeira página e em letras garrafais, que deixou a população de Santo Expedito da Cachoeira de orelha em pé: Três detentos do pavilhão dois da Penitenciária Justiça Seja Feita, morrem misteriosamente após contraírem resfriado de pequena dimensão.

             
                                                                                                                          
18/12/2010

Um comentário:

  1. Muito bom... excelente...também esperar o que... faculdade de medicina no interior do Acre... Sempre bom ler um texto tão leve e de uma imaginação impar... Parabéns pelo blog, ficou ótimo.

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