domingo, 13 de fevereiro de 2011

O alienismo de todos nós

          Áureos anos de minha juventude e lá estava eu debutando em meu primeiro emprego. Trabalhava no escritório de uma empresa atacadista de produtos alimentícios quando ocorreu um fato, no mínimo, curioso:
          A todo instante chegavam e saiam caminhões com mercadorias e em meio a toda essa movimentação, apareceu no balcão do referido escritório um senhor com mais ou menos quarenta anos de idade e quando questionado pela funcionária que recebia e expedia as notas fiscais sobre o que desejava, educadamente e com um sorriso estampado no rosto, o senhor se apresentou (chamava-se Décio) e de bate pronto saiu com a seguinte conversa:
           - Olha menina, eu estou esperando um caminhão de dinheiro de São Paulo e assim que essa encomenda chegar eu gostaria que me avisassem imediatamente!          

           Assustada e sem entender muito bem o que aquele senhor com ares de lucidez queria, a moça prometeu atendê-lo.
          Mal o Décio virou as costas e todos caíram na gargalhada e eu, recém admitido, fiquei observando a reação de cada um de meus colegas de trabalho e pra dizer a verdade não dei muita importância ao fato, mesmo porque estava em fase de adaptação e nesses momentos, com toda a certeza, o melhor discurso que se deve proferir é o silêncio. No entanto, ao observar que aquele escárnio acerca do ocorrido não chegava ao fim, fiquei imaginando: Todas essas pessoas que zombam daquele senhor não têm nenhum motivo para agir dessa forma, pois, o que ganhamos aqui sequer dá para suprir nossos compromissos, enquanto ele está esperando um caminhão de dinheiro e a certeza de que sua encomenda vai chegar a qualquer momento, talvez seja maior do que a nossa de receber o minguado salário no final do mês. Já tinha ouvido em conversas menores, que a empresa tinha por costume atrasar pagamento (em absoluto, não estou reclamando do meu primeiro emprego, tive outros piores).
          No dia seguinte, Décio voltou e após consultar sobre o caminhão de dinheiro, pediu um cigarro a um de meus colegas e caminhou até a salinha do café, onde foi servido pela cantineira.
          Os dias se sucederam e Décio não parou mais de visitar o escritório e a história era sempre a mesma: Informação sobre o dinheiro, cigarro filado e cafezinho. Um fato, porém chamava a atenção de todos ali, ele jamais pedia cigarro à mesma pessoa em dias seguidos. Ele fazia um rodízio criterioso.
          Um mês após o aparecimento de Décio, todos os funcionários da empresa já o conheciam e o tratavam de forma carinhosa. Um dia, no entanto, um dos funcionários do escritório fez um bolão da loteria esportiva e teve a brilhante idéia de pedir ao nosso ilustre visitante que colocasse os palpites no referido cartão e para recompensá-lo, ofereceu-lhe uma carteira de cigarro. Oferta recusada prontamente.

            Foi nesse dia que descobri que no lado de dentro do balcão daquele escritório, havia pessoas mais loucas que o Décio, que por se sentir usado com a indecorosa proposta, parou de filar cigarro.
          Em um último ato de insanidade, meus colegas foram em busca das origens de Décio, não para ajudá-lo (ele não carecia de ajuda) e sim por simples curiosidade. Desentocaram uma sua irmã que recebia seus proventos decorrentes de aposentadoria por invalidez (Décio era policial rodoviário e após cair de sua motocicleta foi considerado inapto para o trabalho), descobritam também, que ela ficava com todo o pecúlio recebido, não repassando sequer um tostão, para o irmão.

          Todos ficaram consternados com a descoberta, o único que aparentemente não se importava nem um pouco, era o próprio Décio.
          Analisando melhor o caso, eu fiquei me perguntando: Também pra que o Décio iria querer proventos de uma insignificante aposentadoria do governo, se ele estava aguardando um caminhão de dinheiro de São Paulo?
          Aquela gente bisbilhoteira não tinha era o que fazer!
          A loucura nos faz felizes e a realidade nos deixa toscos.


13/02/2011

Um comentário:

  1. Pai está de parabéns, muito bom ler algumas histórias que não foram faladas.

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