quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Conversa de andarilho

Certo executivo viajava por uma autovia pela qual jamais havia passado antes, quando de repente seu carro deu uma pane, apagaram-se as luzes do painel e a única solução foi o acostamento. Como primeira providência, ele saiu do veículo soltou alguns palavrões impublicáveis que se perderam no ar. Em seguida, deu de mão no celular e começou a ligar pra Deus e o mundo, o que de nada lhe valeu, pois aquela área não tinha cobertura de sua operadora e mais palavrões foram proferidos.

Desesperado, sem poder acionar a seguradora, sem poder cancelar os compromissos e sem poder solicitar socorro junto às suas empresas, o executivo se pôs a caminhar de um lado para o outro dando sinal para todos os veículos que passavam em alta velocidade. O sol abrasador parecia conspirar contra aquele homem à beira da autovia e de um colapso nervoso, o suor escorria em abundância pelo seu rosto.

Passadas mais ou menos duas horas em que o executivo se encontrava naquela situação, eis que surge uma esperança bem lá distante, no final da reta: Uma pessoa caminhava, lentamente, em sua direção.

Ansioso, ele queria que aquela pessoa chegasse o quanto antes para lhe prestar socorro, como se aquele problema não fosse seu e sim dela. Enorme, porém, foi sua decepção quando descobriu que o caminhante que se aproximava, tratava-se de um andarilho, desses que carregam aqueles enormes sacos nas costas. E a esperança que ele acalentou por alguns segundos, também voou pelos ares, acompanhada de mais uma remessa de palavrões. 

O recém-chegado, alheio aos problemas do executivo, arriou sua carga no chão e sentou-se à sombra de uma árvore, de onde ficou a observar cada passo e cada gesto daquele homem em desespero.

Não demorou muito, o executivo aproximou-se do andarilho e começou a relatar todo seu infortúnio daquela tarde: Falou de suas empresas, dos compromissos agendados, do celular que não conseguia se comunicar com o resto do mundo, dos veículos que passavam e não paravam e assim por diante. Vendo que o andarilho não se sensibilizava com suas palavras, ele virou-lhe as costas e deu inicio a mais uma sessão de impropérios.

Após descansar por alguns minutos, o andarilho levantou-se, pegou seu saco de pecados e fez menção de partir.

- Até você vai me abandonar?  

Perguntou o executivo ao retirante.

 - Você não precisa de ninguém, a sua vida está contaminada pela riqueza!

Após uma pequena pausa, o andarilho continuou:

- Precisamos entender que nossos corpos precisam de descanso, caso contrário eles se transformam em máquinas como esse carro e um simples cabo de bateria que se solta, faz com que ela não ande mais.

Dito isso, o andarilho tomou seu caminho e partiu, o executivo caminhou até a árvore, sentou-se à sua sombra e ali ficou refletindo sobre toda a sua vida até aquela fatídica tarde: Refletiu sobre os dias difíceis, sobre os dias de conquistas, sobre três famílias que havia constituído e por elas havia sido abandonado, sobre o império que havia construído. Em seguida, levantou-se dali e prometeu pra si mesmo, não mais ser escravo do dinheiro.

Quando o sol se punha e o executivo já estava cansado de dar sinal para os outros veículos, sem que nenhum deles lhe prestasse socorro, ele lembrou-se que o andarilho havia dito que um simples cabo de bateria poderia fazer uma máquina parar e assim pensando, caminhou até o veículo, levantou o capô, ajustou o cabo da bateria, virou a chave na ignição e seguiu viagem.

Muitas vezes, precisamos parar e refletir sobre nosso passado para retomarmos nosso verdadeiro caminho. É importante também, não nos esquecermos de ajustar o cabo da bateria.  



24/02/2011

2 comentários:

  1. E assim é nossa vida! Uma chamada e tanto esse conto. É parar enquanto há tempo e ajustar o cabo de bateria de nossa vida. Gostei muito do conto.

    Alberto

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  2. Ótima reflexão!
    Alguns detalhes do conto me trouxeram à mente as experiências relatadas sobre última viagem que vocês fizeram (talvez tenha sido esse o fato cotidiano no qual baseou a escrita).
    Tomara o momento tenha propiciado também a reflexão! Apesar de vocês já - virtuosamente -saberem e apreciarem o grande vabor de "se ajustar o cabo da bateria" com frequência!

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