sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Não debelou o fantasma e ainda pegou um sarrafo de contra peso com direito a passada de mão e outros atrevimentos

Nunca se soube de onde apareceu tal Ludovico Penna. Tudo que sabiam a seu respeito, era que havia chegado à cidade há uns sete, oito anos, vivia às expensas do governo e matava o tempo em pescarias e caçadas de pequeno porte. Era perito em bodoque e espingarda espalhadeira. Quando não estava em um desses ofícios, estava de traseiro arriado em banco da praça contando casos de fantasma. Não havia tamanho ou idade de fantasma que ele não havia enfrentado e, por conseguinte, colocado pra correr.
E nessa batida de paz, tranqüilidade e conversa fiada, os anos passavam em Catanduva do Riacho, sem que nada de novo acontecesse. Até que certo dia, uma notícia correu de boca em boca e criou rastro de busca pé entre o povo do lugar: Um fantasma, em atitudes desrespeitosas, estava atacando em horas elevadas da noite, as pessoas que transitavam pelo caminho da jaqueira, que ficava bem na divisa da fazenda do Coronel Jovino Pires com a propriedade de João Nabuco.
E com o passar dos dias, o fantasma cresceu, criou corpo e em pouco mais de mês, já havia colocado muita gente pra correr, sem contar as maneiras delicadas com que tratava senhoras e senhoritas.
Ludovico Penna, tido e havido em toda cidade como caçador de fantasma, não dizia uma palavra. Comerciantes e festeiros começavam a se preocupar, pois, ninguém mais freqüentava o comércio local e as quermesses das novenas, tamanho era o medo que havia se apossado da população. Catanduva do Riacho dormia e acordava de terço na mão.
Nas figuras do prefeito, do presidente da Associação Comercial e do padre, Catanduva foi buscar socorro na pessoa de Ludovico Penna, fazendo oferta em dinheiro vivo para que ele debelasse de uma vez por todas, o mal que ameaçava a cidade e estava levando o comércio e outros seguimentos da sociedade à bancarrota.
Quando viu o pavor estampado nos olhos de cada um ali presente, Ludovico respirou fundo, espichou o corpo na rede e disse em tom superior: - Aquilo não é fantasma pra pouco capital, pra resolver essa questão careço de investimento alto, dinheiro em nota graúda de fazer volume em pasta de couro grosso!
Após ouvir as ponderações do caçador de fantasma, o prefeito, acompanhado de sua comissão, partiu para a arrecadação da verba que ia salvar a cidade do caos, no que foi prontamente atendido em seus pedidos junto à população, todos ajudavam com aquilo que era possível. Até o cego Jeremias contribuiu com a féria de um dia de trabalho, arrecadada na portaria principal da Igreja Nossa Senhora dos Remédios. Enquanto isso, deitado em sua rede, Ludovico imaginava uma saída honrosa para aquela enrascada em que havia se metido, mesmo porque, os únicos fantasmas que ele conhecia, eram os das histórias que ouvia quando criança.
E nesse ínterim de comissão arrecadadora e Ludovico trabalhando na imaginação para desculpa fajuta, apareceu Jutay Bontempo fazendo proposta vantajosa: - Olha Ludovico, fantasma não existe! Isso é coisa da cabeça desse povo! Nós podemos resolver esse probleminha e dividir o dinheiro.
Ludovico não entendendo a conversa atravessada de Jutay, especialista em colocar os outros em fria, pediu maiores explicações.
E Jutay, olho gordo no dinheiro, falou: - Eu me visto de fantasma e me escondo nas proximidades da jaqueira, quando você se aproximar para debelar o tinhoso a poder de cacetadas, eu apareço e fazemos um fuzuê dos infernos. Em seguida, eu saio de cena e está resolvido o problema!
Ludovico pensou com seus botões e decidiu aceitar as duas ofertas: A oferta do prefeito e a oferta de Jutay. E já de olho grande na mala abarrotada de dinheiro sendo transferida para seu bolso, marcou para a próxima lua cheia, o desagravo de Catanduva contra o tal fantasma da jaqueira.
Ao ouvir o burburinho da contenda, Coronel Jovino Pires falou, em tom conselheiro: - Acho melhor não mexer com o fantasma, aquilo é coisa do outro mundo!
Ludovico, sabedor dos conselhos do Coronel, foi curto e grosso: - Que coisa do outro mundo que nada, vou dar um sapeca iá iá nesse fantasminha  meia boca que ele nunca mais vai poder sentir cheiro de jaca em distância de légua!
Chegado o dia do desagravo, as pessoas não falavam em outra coisa. Todas esperavam ansiosas a noite chegar, para do alto do morro, de binóculo, luneta e outros equipamentos, apreciarem à luz da lua cheia, o debelamento do fantasma.
Meia noite em ponto e Ludovico iniciou sua caminhada solitária em direção à jaqueira e assim que aproximou-se da mesma, Jutay Bontempo, transvestido de fantasma saltou sobre ele e o pau comeu de conforme. O povo vibrava a cada cacetada desferida por Ludovico contra o fantasma e vice-versa. Pois, a essas alturas do campeonato, assim como acontece em toda e qualquer competição, tinha gente torcendo pra Ludovico e gente torcendo pro fantasma.
Quando o fantasma estava quase entregando os pontos e se dando por vencido, eis que surge um fato novo para atrapalhar aquele teatro encenado a céu aberto, à luz do luar: O fantasma verdadeiro apareceu do nada e soltou a gurumbumba de maneira deseducada no lombo dos dois farsantes e a platéia sem entender nada do que estava acontecendo, partiu em disparada em direção à cidade, envolta em nuvem de poeira de grande proporção.
No outro dia bem cedo, o delegado Zequinha Boa Morte foi fazer o balanço daquela noite de demanda de fantasmas e apurou toda farsa arquitetada por Ludovico e Jutay, que além de devolverem o dinheiro da população, ainda enfrentaram um pau de formiga de ordem corretiva, nos subsolos da delegacia.
Quando saia da cidade de mala e cuia, perguntado qual o motivo de sua partida, Ludovico cabisbaixo, esclareceu dessa forma: - Se fosse só pelo sarrafo que levei... Tudo bem! O problema foram as intimidades praticadas pelo fantasma.
Em suma: Ludovico Penna tomou rumo ignorado de nunca mais ninguém ter notícias, Jutay Bontempo foi à luta em busca de novas trapaças e o fantasma da jaqueira continuou atormentando a população até que o Coronel Jovino Pires comprou as terras de João Nabuco e ele desapareceu para sempre.

 

24/12/2010

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