quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Em se tratando de conquista de viúva, é melhor tomar muito cuidado


            A pacata cidade de Cachoeira do Prado, em toda a sua existência, jamais havia presenciado um desatino tão sem propósito como o que aconteceu na noite em que Afonsinho Bataglia inventou de conquistar, a todo custo, a recém enviuvada Belarmina dos Prazeres, mais conhecida pela alcunha de Dona Belinha.
         Pra começar seu rosário de demências, Afonsinho entrou na Pensão Primavera, meteu perfume dos bons em suas partes mais íntimas, coisa fina de marcar presença em raio de quilômetro, em seguida enfiou seu corpo em roupa de fino acabamento e saiu pra rua, onde assentou praça no primeiro boteco que topou pela frente. Sentou-se à mesa e pediu pra descer uma garrafa de cachaça, que atendia pelo sugestivo nome de “Doce Veneno”, pinga de qualidade, daquelas que faz cego enxergar e pobre ficar rico. Acampado às margens de um copo, o moço deu sangria na referida garrafa em menos de hora de não ficar uma única gota pra remédio e abastecido dessa forma, partiu para a tão sonhada conquista.
         Enquanto a lua brilhava no céu de anil, trincando nos ferros, Afonsinho dançava seu dois pra lá dois pra cá em direção a casa de seu bem-querer. Infeliz idéia a sua, quando acometido de sentimento romântico, inventou de apropriar-se, indevidamente, de algumas flores em jardim alheio para levar para sua pretendida. Um guarda roupa de casal aberto, que atendia pelo nome de João Viramorro, proprietário do jardim onde as referidas flores foram subtraídas, chegou à janela no exato momento em que Afonsinho evadia-se do local e não apreciando da atitude do transgressor, caiu no costado desse de chicote em punho e no embalo da filosofia do grande mestre que dizia “O melhor modo de apreciar um chicote é ter-lhe o cabo às mãos”, Viramorro deixou o lombo de Afonsinho mais riscado que casco de tartaruga. Não fosse o socorro providencial de algumas criaturas da noite que passavam pelo local no exato momento do desagravo, o conquistador de Doce Veneno, só ia tomar uma nova dose de pinga depois de prestar contas pra São Pedro, caso haja esse produto de primeira necessidade, no além.
         Mas pra quem está pensando que a noite de terror de Afonsinho estava perto do fim, enganou-se redondamente, pois antes do sol dar as caras novamente, ele ainda ia passar por outras dificuldades de ordem corretiva e após a turma conciliadora do deixa disso ter acalmado os ânimos de Viramorro, obviamente, Afonsinho foi colocado em posição vertical para dar seguimento à sua via sacra de desatinos, partindo para mais uma pedreira das mais duras já existida em toda aquela região.
Da casa de Viramorro, Afonsinho partiu, trançando as pernas, para a casa de Dona Belinha, na esperança de curar seu bode de sete chifres nos braços macios da recém enviuvada. Mais uma vez ele foi enganado pela intuição e pelo destino, pois, ao operar o famoso toc... toc... toc, arma infalível de todo pé de pano que se preze, na porta de Dona Belinha, a recepção que teve não foi nada suave, pois, sua paixão já havia estabelecido relação de compromisso sério com sujeito de estatura elevada e braços de peroba rosa, que veio em seu atendimento e nessa curva, Afonsinho pegou mais um sarrafo de soltar fogo pelos orifícios. Foram tantos sopapos e rabos de arraia, que mais uma vez, ele não foi a óbito porque contou com a intervenção da bondosa viúva, seu objeto de desejo.
Dado por encerrada sua tarefa naquela tenebrosa noite recheada de chicote, sopapos e rabos de arraia, Afonsinho à custa de muitos gemidos, ergueu mais uma vez seu debilitado corpo, deu meia volta e caminhou sob a lua de poeta em direção à Pensão Primavera, pois, era muito cacete em uma noite só, para um só lombo.
O retorno à pensão tinha tudo pra ser uma caminhada tranqüila, não fosse o destino colocar no caminho de Afonsinho Bataglia seu velho conhecido e companheiro de copo e noitada, Quincas Pau D’alho. Dessa infeliz união surgiu um novo e inesperado entrevero: Ao passar por um boteco onde adeptos da madruga, já com os córneos cheios de manguaça, bebiam na calçada para verem o sol nascer mais reluzente, Quincas Pau D’alho esbarrou, acidentalmente, em moça de boa família que fazia parte daquele fuzuê de fim de noite e o pau quebrou sem dó mais uma vez. A contenda foi tão deseducada que mesas e cadeiras voam como passarinhos em revoada. Ao final da briga todo mundo batia em todo mundo e ninguém mais sabia o que era braço amigo ou não e à custa de muito sacrifício, depois de levar mais uma surra, Afonsinho conseguiu se desvencilhar daquele emaranhado de braços, cadeiras e mesas que trafegavam velozmente sobre sua cabeça e saiu de fininho indo buscar abrigo na velha e pacata Pensão Primavera, de onde não deveria ter arredado pé naquela fatídica noite de terror, em que ele saiu para caçar e acabou se tornando a caça.
Da janela da Pensão Primavera, Afonsinho ainda viu quando o Delegado Chiquinho Boa Praça chegou para apaziguar o tumulto e ainda teve tempo de tomar uma última cadeirada nos córneos, pra encerrar com chave de ouro, aquela noite tumultuada.


05/12/2010

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