domingo, 29 de maio de 2011

Guimarães Rosa me enganou


Singela homenagem a João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.


O mundo do Século XXI parece caminhar a passos largos rumo ao ápice de seu desenvolvimento e atrelado a este um consumismo exacerbado de seus habitantes.
Suponhamos que da noite para o dia, um famoso pesquisador americano descubra que clara de ovos de galinha em sua forma natural é o melhor dos remédios para hidratar a pele e prevenir rugas nos delicados rostos femininos.
Entendo que antes de continuar minha narrativa, devo reafirmar que essa é apenas uma suposição e que não tenho como objetivo causar pânico, por menor que seja, entre a população granjeira, induzindo as galinhas a projetarem aumento em suas posturas, passando a produzir dois ou mais ovos por dia. 
Mesmo que a inépcia dita no segundo parágrafo se tratasse de fato e não somente de uma mera suposição, ainda assim, o mundo cacarejante poderia dormir sono solto, pois as mulheres desse século, jamais ousariam usar um produto oriundo de parte tão sombria, garantindo dessa forma, a preservação dos delicados orifícios galináceos.
 Mas afinal, por que a descoberta do pesquisador americano, mesmo que fosse real, encontraria obstáculos em sua aceitação? Eu fiz a pergunta e eu mesmo respondo: Não daria certo e com um agravante, o referido pesquisador poderia mudar o rumo de sua pesquisa, caso contrário, estava fadado a morrer de fome, pois nos dias de hoje, a eficiência de todo e qualquer produto está diretamente relacionada ao seu valor monetário: Um creme para pele cotado em real tem uma eficiência relativa, o cotado em dólar possui uma eficiência razoável, já o cotado em euro é a solução para todos os problemas femininos no que diz respeito à beleza e assim por diante.
Atrevo-me a enumerar alguns dos períodos de consumismo nonsense, pelos quais atravessei nessa minha caminhada lenda e sensitiva que me traçou o destino:
·        Primeiramente foram as botinhas ortopédicas, lembram-se delas? Filho de bacana que não usasse essa revolução do mundo da estética corporal ia ficar com as perninhas de alicate, ia pisar torto, ia arrastar o chinelo pelo resto de sua vida. Para o fadário de milhões de brasileiros, quis o destino que o grande futebolista Garrincha não usasse tão eficiente mecanismo, possibilitando dessa forma, que o mesmo se transformasse no Pernas Tortas mais famoso do mundo. Você sabia que o Garrincha atuando ao lado de Pelé, jamais perdeu uma partida jogando pela Seleção Brasileira? Pois então, viva as pernas tortas!
·        Os aparelhos dentários, ainda permanecem arraigados em nossa cultura consumista. Fico traumatizado quando recordo que em meu tempo de criança, quem tinha uma simples escovinha de dentes podia se considerar um privilegiado. Não sei como não inventaram ainda, aparelho para corrigir próteses. Aliás, existe coisa mais bonitinha que um dentinho meio torto em um rostinho bonito? Cuidado! Dentes certinhos demais se parecem com dentadura!
·        O computador, de uma hora para outra, se transformou em produto de primeiríssima necessidade nos lares brasileiros. Existem casas que possuem três, quatro aparelhos e as relações familiares andam tão aquecidas, que uma pessoa envia e-mail para a outra, ainda que vivendo sob o mesmo teto.
·        O campeão no mundo do consumismo, sem duvida nenhuma é o celular. Quando visitamos a casa de um parente ou conhecido, precisamos ficar atentos para não sentarmos sobre celulares, pois, eles estão por toda parte. Cada um com um toquezinho mais chato que o outro. Eu já vi celular causar acidentes, atropelamentos, terminar namoros e casamentos. O que seria do mundo de hoje sem o celular?  
Modismos como os citados acima, que a princípio eram praticados apenas nos grandes centros, romperam fronteiras e espalharam-se pelas periferias e hoje habitam os rincões mais remotos. 
Outro dia fui convidado por um amigo a passar um final de semana prolongado em sua cidade natal. Lugarzinho com pouco mais de cinco mil habitantes e que atende pelo sugestivo nome de Monte Belo das Gerais.  
Quando ouvi o nome da cidadezinha, consultei o arquivo de minha memória e nenhuma lembrança de ter ouvido tal nome me ocorreu. Diante dessa minha ignorância geográfica, fiquei imaginando: Deve ser um daqueles grotões descritos em Grande Sertão - Veredas do fabuloso e inesquecível Guimarães Rosa e com esse ingênuo pensamento embarquei rumo à gloriosa e desconhecida Monte Belo das Gerais. Confesso: Esse nome me fascinou!
Durante o trajeto, me perdi em divagações policromáticas. Ia-me sonhando com a paz de um final de semana sem a correria do trânsito, sem o stress do celular tocando a todo instante e sem o funk dos carros de som nas ruas de meu bairro. Enfim, meu weekend iria ser só canto de pássaros, carambolas maduras, lua clara no céu e vestidinhos de chita enfeitando caipirinhas de sorrisos faceiros e bem comportadas.
Engano o meu em projetar fim de semana com tamanha calmaria, pois estarrecido, constatei com meus próprios olhos que isto já não existe nem nas mais longínquas estâncias.
Imagine que ao chegar a Monte Belo das Gerais, antes mesmo de conhecer os familiares de meu amigo, caminhei até um pequeno bar e pedi uma Coca-cola. Grande surpresa foi a minha, ao ouvir a seguinte frase: - Não temos Coca-cola!
 Ingenuamente, pensei: O progresso ainda não chegou por aqui! 
Esqueci a Coca-cola e fui conhecer os familiares de meu amigo, a cidade e seus atrativos. Enquanto caminhava, percebi que em quase sua totalidade, cada habitante do lugar, portava orgulhoso, um celular. Um a coisa, porém, me chamou a atenção: Ninguém usava os aparelhos para se comunicar, apenas os portavam como se os mesmos fossem uma extensão de seus próprios corpos.
Assustado com o fascínio das pessoas pelo aparelhinho falante, em voz baixa, fiz a seguinte observação aos ouvidos de meu amigo: Parece-me que avanço tecnológico da comunicação, se antecipou a Coca-cola em Monte Belo das Gerais!
  Com um sorriso zombeteiro, meu amigo olhou-me de lado e demonstrando que não havia esquecido suas raízes, disse: - Você está enganado, a Coca-cola por se tratar de um refrigerante ultrapassado, não consta mais do mix de consumo da cidade, enquanto que a quantidade de celulares que tanto te assusta tende a crescer a partir do próximo mês, quando se dará a inauguração da torre da empresa de telefonia e as pessoas poderão fazer uso dos mesmos.
De volta à capital, enquanto apreciava a paisagem do cerrado mineiro tão devastado pelos carvoeiros, fiquei imaginando com meus botões: Os grotões de Grande Sertão – Veredas tal qual narrou o Mestre Guimarães já não existem mais e os Riobaldos e Diadorins de hoje, usam aparelhos nos dentes e andam equipados com celulares e MP3. 


29/05/2011

4 comentários:

  1. Gostei muito desse conto, ele faz a gente lembrar de um interior que não existe mais.
    Que saudade da tranquilidade e belezas do interior de Minas.
    Ana Maria

    ResponderExcluir
  2. Um "poço de beleza" suas palavras meu querido!

    Uma das frases que me despertou atenção:
    "...as relações familiares andam tão aquecidas, que uma pessoa envia e-mail para a outra, ainda que vivendo sob o mesmo teto..."

    Essa constatação é tão real e tão triste! Cada vez menos, dá-se valor à simples e tão suntuosa relação familiar.

    Outra frase: "Cuidado! Dentes certinhos demais se parecem com dentadura!"
    Ich! rs...

    Grande beijo,

    Nay

    ResponderExcluir
  3. Toninho, parabéns. Indubitavelmente, em breve, estarão nas livrarias, para quem gosta de boa leitura, em vez de um, dois livros seus.
    Um de haicai, evidentemente, outro de contos.
    Qualidade sobra, competência é notória, oportunidade, para você, não faltará.

    ResponderExcluir