quinta-feira, 28 de abril de 2011

Em festa de bacana rato não usa crachá


            Centenas de quilômetros separam a fantástica Antares do genial Veríssimo, o pai, da pequena Várzea do Prado, cidadezinha detentora de aquífero termal de grandes proporções e um caráter com necessidades urgentes de lapidação.
O município, desde sempre, vive da exploração do turismo em suas termas medicinais. São pessoas de todos os cantos do país em busca da eterna juventude em águas milagrosas. Busca essa, que poderia ser considerada estéril, se levássemos em conta que as pessoas que acreditam em tal milagre, normalmente, já se encontram em provecto período existencial
Para ser mais direto, devo relatar que foi nesse paraíso de ilusões e céus de diamantes, que um pequeno rato causou um furdunço tão sem propósito para as autoridades locais, que uma semana após o ocorrido, cabeças ainda rolavam dos patamares mais altos da hierarquia de Várzea do Prado, para as imundas e profundas sarjetas.
O sexto mandato consecutivo do presidente do Clube Termal de Várzea do Prado estava completando dois anos e para comemorar a importante data, mais uma grande festa no salão de eventos do clube, havia sido programada. Da sacristia ao gabinete do prefeito, todas as pessoas importantes da cidade, que de certa forma, viviam às expensas das milagrosas termas, receberam convites em letras douradas e de fino acabamento.
Chegado o dia do memorável acontecimento, a cidade não comportava tanta elegância: Ternos caríssimos e de marcas foram sacados dos armários e vestiam os homens de bem da cidade, enquanto vestidos da mais pura seda, enfeitavam as damas da sociedade local, que levavam penduradas em pescoços e braços, jóias do mais alto quilate.
Por volta das dezoito horas os convidados começaram ocupar o salão de eventos e enquanto aguardavam o grande homenageado que presidia o Clube Termal por mais de duas décadas, beliscavam iscas de salmão importado do Alaska e bebericavam o mais puro J & B, em taças do requintado cristal de Murano.
A festa transcorria na mais perfeita ordem como mandam as refinadas etiquetas sociais e a noite de gala prometia ser um sucesso, não fosse um imprevisto de última ordem: Um pequeno rato branco, desses inofensivos ratinhos de laboratório, sem que tenha sido convidado ou portando qualquer tipo de identificação, resolveu penetrar no recinto dando inicio a uma correria sem precedentes.
A verdade, é que assim que foi descoberto entre os convidados, o pequeno roedor fez homens de bigode subir em mesas, derrubar cadeiras, saltitar em passos miudinhos. Fez senhoras respeitosas se descabelarem e perderem a compostura diante da fina flor da cidade, causando constrangimento de elevada proporção.
Enquanto aquele Cerca Lourenço se desenvolvia de vento em popa, o ratinho parecia se divertir em grande estilo, subindo e descendo em saias de madames, em paletós de figurões, em batina de padre, não respeitando ninguém que encontrava pela frente. O certo, é que em poucos minutos o requintado salão de festas estava de pernas para o ar e o travesso ratinho, da mesma forma que veio, partiu. Sem deixar rastros.
Assim que os ânimos pareciam serenados, eis que surge o delegado de revolver em punho e em nome da lei, resolve tirar satisfação com o rato que havia desaparecido misteriosamente em meio à confusão. Furioso com a evasão repentina do meliante, a autoridade máxima de Várzea do Prado, iniciou temporada de caça ao fugitivo, dando tiros para o alto e reiniciando a confusão que só teve fim com a chegada do excelentíssimo presidente do Clube Termal e sua digníssima esposa. 
Após a recomposição dos móveis em seus devidos lugares, os necessários retoques na maquiagem das madames ali presentes e tudo ter voltado a mais perfeita ordem, eis que surge um novo e inesperado incidente. Dona Zuleica, a esposa do presidente do clube, sem que fosse anunciada ou tivesse a palavra franqueada, tomou o microfone em suas mãos e deu inicio ao mais desastroso discurso já proferido em toda a região:
- Quero que todos aqui presentes saibam que nas frias noites, em que meu marido se ausenta do lar e permanece até altas horas da  madrugada em negociatas e tranquibérnias com o meritíssimo senhor juiz de direito aqui presente, quem aquece meu corpo e minha alma é o Perácio.
Ao ouvirem o depoimento de Dona Zuleica, os presentes se entreolharam com ares de perplexidade e cada um parecia se perguntar: - Quem é ele? Quem é esse tal Perácio?
Após alguns segundos de tumular silêncio, em que se podia ouvir o bater de asas de uma pequena mosca, a esposa do presidente do Clube Termal voltou a se manifestar:
- E tem mais, o nosso delegado tão correto e tão valente no cumprimento de seu dever, capaz de sacar uma arma de grosso calibre para um indefeso ratinho de laboratório, não sai da casa de favores de Madame Soraya e sob o pretexto de prestar segurança ao estabelecimento, dorme o sono dos justos em braços macios de suas meretrizes.
Não suportando mais a dor da curiosidade e do constrangimento, o excelentíssimo presidente do Clube Termal, do meio do salão de festas gritou alto e em bom tom, em defesa de sua honra:
- Quero saber agora quem é esse tal Perácio!
Calmamente, Dona Zuleica introduziu a mão direita no bolso de seu elegante vestido e ergueu o pequeno rato que havia transformado a festa em uma verdadeira balburdia e não satisfeita com tudo que já havia dito, voltou a destilar seu ferino veneno:
- E quanto ao senhor prefeito Juthai Barbiroto, eu tenho pra dizer o seguinte:
Quando ela ia dar sequencia ao seu relato, um providencial curto circuito deixou as dependências do clube às escuras, colocando ponto final no depoimento de Dona Zuleica, que em meio a toda aquela escuridão, foi sacada por mãos invisíveis e conduzida para local distante de microfones ou qualquer outro tipo de aparelho amplificador de voz.
E quem imaginou que tudo se resolveu com o simples curto circuito, enganou-se redondamente, pois o devastador discurso, em meio à confusão estabelecida, criou pernas, escapuliu pela porta do salão de eventos, correu pelos corredores, desceu escadas e foi se aninhar bem nos ouvidos da população da cidade.
No dia seguinte, ruas e praças estavam tomadas por manifestantes de toda ordem que exigiam a imediata remoção do excelentíssimo senhor juiz, do delegado de policia e a exoneração do presidente do Clube Termal. O senhor prefeito, que lutava por um segundo mandato nas eleições que se aproximavam, bastou ter seu nome relatado no pernicioso discurso, para despencar nas pesquisas de opinião pública e ainda pode se dar por satisfeito, por não encarar os rigores de um processo de impeachment, perdendo o restinho de mandato que ainda lhe restava.
Quanto a Dona Zuleica, que por um instante encarnou o espírito de Dona Quitéria Campolargo, foi conclamada pelo povo e elevada à condição de candidata a prefeita, tendo como mascote de campanha o glorioso e revolucionário Perácio, que após a eleição, passou a ocupar lugar de destaque na prefeitura e nos corações de todos os varzeapradenses, por seu heróico ato.




                                                                                                                      28/04/2011

4 comentários:

  1. Divertidíssimo este seu texto, Tony. Sua Antares contemporânea é hilária, a narrativa prende a atenção do início ao fim. Interessante também o uso da expressão "Cerca Lourenço" - que lembro de ter visto (ou ouvido) apenas uma ou duas vezes na vida! Abraços e parabéns.

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  2. Muito bem escrito e divertido este conto. Quem diria, o rato, que fora antes mero penetra, agora se tornara herói da cidade de Várzea do Prado. Excelente texto, parabéns e sucesso!

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  3. Eu adorei, achei hilário quando descobri que o Perácio era o rato. Gostei da relação feita entre o texto e o Incidente em Antares de Érico Veríssimo.

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  4. Que texto gostoso....divertido, prazeiroso e cheio de emoções. Um abraço.

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