segunda-feira, 7 de março de 2011

Vida de santo não é fácil

Não existe melhor lugar no mundo para se criar mitos do que em cidade pequena do interior e Santana do Vale existe para comprovar essa tese:
Conta-se que certa ocasião, apareceu na cidade um certo Seu Nonô com a cabeça cheia de idéias progressistas. O recém-chegado perambulava de cidade em cidade a procura de um bom lugar para se estabelecer no ramo de panificação e como o povo de Santana do Vale, jamais havia desfrutado de tamanho conforto, não mediu esforços para atrair a atenção de Seu Nonô e consequentemente poder degustar um pãozinho quente todas as manhãs.
Devidamente estabelecido com cilindro de madeira e forno à lenha, Seu Nonô se lançou na produção quitandeira. Era pão novinho três vezes ao dia em horários religiosos. 
Vendo que seu negócio crescia de vento em popa, Seu Nonô se aventurou em outras receitas e cada lançamento representava uma novidade para os moradores de Santana, desconhecedores de tais modernismos gastronômicos.
E nessa de lançar mão de novas e antigas receitas, Seu Nonô acabou esbarrando com a fórmula secreta de uma rosca seca muito elogiada por seu avô, no que se referia à dieta para qualquer tipo de convalescência. E não é que Seu Nonô, com seu jeito calmo de falar, acabou por incutir na cabeça do povo do lugar que a tal rosca seca com água doce, tinha poderes terapêuticos.
Por fim, já não existia uma pessoa sequer em toda Santana do Vale e adjacências que não houvesse experimentado da rosca seca de Seu Nonô e com o passar do tempo, a referida já estava até curando doenças de pequeno calibre.
Mas nem só de rosca seca sobrevive o folclore de Santana do Vale e um outro caso muito interessante, contado e recontado na cidade, diz respeito aos seis casamentos de Rita Corrimão.
Segundo contam, quando Rita estava na flor de seus treze anos, adquiriu de um vendedor ambulante uma pequena imagem de Santo Antônio, tido e havido por todos como o santo casamenteiro. Há princípio o santo teve boa vida, colocado em um pequeno oratório recebia orações e as retribuía com pequenos milagres, mas com o passar dos dias sentimentos matrimoniais afloraram-se em Rita e a partir de então o santinho não teve mais sossego. 
   Imagine só que antes de completar quinze anos de idade, Rita inventou de casar-se e nas asas desse sonho o Santo Antônio saiu do conforto de seu oratório e fez sua primeira incursão em caldo efervescente de feijão e por lá ficou durante uns vinte dias mais ou menos, até que surgiu um namorado para sua protegida.
Com namorado debaixo do braço, Rita retornou com seu santinho para o oratório, não sem antes lhe avisar com o dedo em riste: - Cuidado, se ele fugir você volta pra panela de feijão quente de cabeça pra baixo!
Ressabiado com pedreira que havia pegado e com a nova ameaça, o santo passou a olhar Rita com certa desconfiança, mas para sua tranqüilidade o namoro vingou e logo o casamento foi providenciado.
Quando o pobre santo imaginou que havia resolvido seu problema, eis que acontece o inesperado: Antes mesmo do primeiro ano de casamento, o noivo que havia prometido amor eterno a Rita, foi acometido de doença desconhecida e não houve chá de raiz ou rosca seca de Seu Nonô que desse jeito no caso.
Os dias de luto foram breves e lá estava novamente o santinho enfrentando altas temperaturas, dessa vez a tarefa foi mais penosa e ele passou mais de um mês em mergulho rasante em caldo quente. E assim foi no terceiro, no quarto, até chegar ao sexto casamento de Rita. Por fim, o santinho já não podia mais sentir cheiro de vela queimada que coçava a cabeça e preparava-se para mais um pau de formiga em panela de feijão.
Quando Rita enviuvou de seu sexto marido, uma de suas filhas em raro e providencial momento de lucidez, deu fim ao santinho casamenteiro, escondendo-o em lugar seguro.
Desiludida com o desaparecimento do santo e bastante combalida pelo peso da idade, Rita deu pra caducar (verbo muito usado no interior para sintetizar o sofrimento do mal de Alzheimer) e já não falava coisa com coisa. Certo dia, quando lhe foi servida a famosa rosca seca de Seu Nonô com água doce, ela abraçou-se ao referido alimento e ali ficou acariciando a rosca e dizendo: - Que bom, meu Santo Antônio voltou... Meu Santo Antônio voltou!
Quando sua filha pediu-lhe que comesse a rosca seca, Rita retrucou em voz autoritária: - Nunca! Eu jamais teria coragem de comer o meu santinho!
E enquanto discutia com a filha, o trem apitou na curva e Rita embarcou levando nos braços a famosa rosca seca de Seu Nonô, em uma última homenagem ao santo que lhe rendeu seis casamentos.   
     
  

07/03/2011

2 comentários:

  1. Delicioso conto, Tony. Deu vontade de conhecer Santana do Vale e provar a rosca seca de Seu Nonô. Se é que a Rita Corrimão não levou embora a última...
    Muito bom. Parabéns.

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  2. Muito bacana o conto, Tony. Na próxima atualização, espero que dê a receita da rosca seca rs
    Um abraço,
    Monica Martinez

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