segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sonambulismo, doencinha corriqueira que se não for bem tratada, pode trazer sérios problemas ao paciente

Tido e havido em toda a região de Campo Largo como o maior patrocinador de novenas e puxador de ladainhas, Coronel Leopoldo Rossi fez fortuna pendurado em tetas de vaca. Tinha pra mais de dez fazendas, todas elas povoadas com vacas leiteiras da mais pura linhagem.
A lenda de que a riqueza afasta o ser humano da benevolência não se aplicava ao Coronel, pois, assim que tinha noticia de uma mãe desesperada por uma filha que se perdeu ou outro motivo qualquer, lá ia ele prestar socorro financeiro e espiritual. E nessas idas e vindas de aliviar dor e acalentar almas, ele arrebanhou em toda região um sem número de compadres e comadres.
Mas como dizem os entendidos que o destino traçado por Deus para cada um de nós independe de nossas ações, o Coronel Leopoldo desde que se casou com Dona Mercedes dos Prazeres, uma fortaleza de dimensões elevadas com seus cento e vinte quilos mal distribuídos em um metro e sessenta de altura, foi acometido de um transtorno classificado de Parassonia do Sono, popularmente chamado de Sonambulismo. Doencinha de maus modos que se não mata de vez, também não pode ser interrompida, pois segundo a sabedoria popular se isso acontecer, o enfermo pode correr sérios riscos.
Na garupa dessa doença travessa, o Coronel jamais dormiu em casa. Assim que a lua saia, ele encilhava seu cavalo e viajava para fora dos domínios de Dona Mercedes, voltando só altas madrugadas. No outro dia, ele nada sabia do que se passou durante a noite.
Dona Mercedes, desesperada, buscava sem tréguas, recursos para o mal que atormentava o esposo, mas nenhuma solução foi encontrada. Todo tipo de tratamento recomendado não surtia efeito e as andanças noturnas do Coronel se tornavam cada vez mais constantes. Certa ocasião, ele foi acometido de crise tão violenta que passou várias noites dormindo no quarto da empregada.
Como nesse mundo ninguém é eterno, certo dia o Coronel foi acometido de mal súbito, sintonizou o canal 10 e saiu do ar. A notícia da morte correu feito corisco em noite de tempestade e não demorou muito a fazenda estava repleta de amigos, compadres e curiosos. Todos queriam prestar uma última homenagem à tão generosa criatura.
O velório transcorria normalmente com muitas orações, choro de carpideiras, velas sendo queimadas às dezenas e um garrafão de pinga de origem ignorada sendo desidratado pelos cantos do terreiro, até que lá pelas tantas apareceu no recinto menina nova, contando com seus dezoito, dezenove anos, nada mais que isso, trazendo duas crianças arrastadas pelas mãos e um par de pernas de fazer cego enfiar linha em agulha e mudo cantar ópera em Latim.
Não demorou muito e a recém chegada disse a que veio: Estava ali para apresentar os filhos, cuja paternidade era de responsabilidade única e exclusiva do defunto ali presente e diante dos últimos acontecimentos, pleiteava fazer parte do cobiçado inventário do Coronel.
O disse me disse da indesejável visita, correu da sala pra cozinha e da cozinha foi ancorar bem nos ouvidos de Dona Mercedes.
A esposa do Coronel, sem dizer uma palavra sequer, foi até seus aposentos apoderou-se de um revolver e distribuiu tiros no varejo e no atacado. O Cerca Lourenço foi tão eficiente, que dois minutos foram suficientes para que a fazenda se fizesse totalmente deserta.
No meio daquela confusão de tiros e correria, o defunto que na verdade não havia morrido coisíssima nenhuma e sim, havia sido acometido de uma crise de catalepsia, despertou-se mais do que depressa de sua enfermidade de nomezinho difícil e pulou pela janela da sala. Dona Mercedes, ao perceber a fuga do Coronel, que nunca havia dormido sequer uma noite ao seu lado, não perdeu tempo e endereçou uma saraivada de tiros em seu rastro, sendo que uma das balas foi acomodar-se bem nas partes mais delicadas e íntimas do fugitivo.    
Mesmo baleado e manquitolando, o ex-defunto embrenhou-se capoeira adentro de ninguém ter notícias suas em período de dez anos. Mas, dez anos também passam e passaram.
Certo dia, viajando pelas fronteiras do Brasil, sabe fazendo o que, um morador de Campo Largo descobriu o Coronel entocado em garimpo clandestino de diamantes no oeste do Acre e fez a notícia correr.
Sabedora do paradeiro do esposo, Dona Mercedes não perdeu tempo, tomou a primeira condução e partiu ao seu encalço. Viagem inútil, pois ao saber da presença da esposa em território acreano, mais uma vez o Coronel manquitolando, embrenhou-se floresta adentro em direção da Cordilheira dos Andes e foi pedir exílio ao governo do Peru.
Pois mala daquele tamanho, não dava pra suportar!  


31/01/2011

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