sábado, 1 de janeiro de 2011

Dona Genoveva morreu e o mundo não acabou

A década de setenta foi realmente um marco na recente História do Brasil. A ditadura corria sem freios de norte a sul do país, tirando confissões a poder de pau de arara e outros argumentos menos convencionais ainda, em parlatórios subterrâneos.
A música “Pra não dizer que não falei de flores” ou “Caminhando” como preferirem, de autoria do paraibano Geraldo Vandré, que havia sido derrotada no Festival Internacional da Canção da Rede Record em 1968, pela música “Sabiá” composta por Chico Buarque de Holanda e Antônio Carlos Jobim, se tornava o hino da resistência ao regime autoritarista que imperava no Brasil.
Na segunda metade da década, dois fatos, chamaram a atenção da mídia e ocuparam grande espaço nos meios comunicativos do país: O primeiro de ordem econômica se tratava do tão propalado “escândalo da mandioca”, que culminou com um desfalque de dimensão elevada, aplicado contra a agência do Banco do Brasil de Floresta, interior de Pernambuco em 1979. Por pouco o rombo não fechava a referida agência e colocava ponto final nas atividades do “Proagro – Programa de Incentivo Agrícola”, criado pelo governo federal para incentivar a agricultura no nordeste. O segundo envolvia a fé e a ingenuidade do povo brasileiro, que foi o surgimento da seita “Borboletas Azuis” fundada pelo pequeno empresário, Roldão Mangueira de Figueiredo em Campina Grande, interior da Paraíba, no ano de 1978 e consistia em alertar o povo para o fim do mundo, que segundo suas profecias, iria acontecer em 13 de maio de 1980, resultante de um devastador dilúvio.
Com relação à apuração do primeiro fato, o do “escândalo da mandioca” o resultado foi danoso, pois, várias autoridades dos diversos escalões governamentais (federal, estadual e municipal) foram envolvidas e não se tem noticias de que eles pagaram por seus crimes, sem contar que outras tantas foram assassinadas no decorrer das apurações. Já a seita “Borboletas azuis”, teve vida curta, talvez por um erro de cálculo de seu fundador que estipulou um prazo muito curto para o fim do mundo, já que a referida seita foi fundada nos últimos meses de 1978 e estabelecia que o mundo teria seu final em 13 de maio de 1980. Em decorrência disso, no primeiro dia após a data estipulada, a seita estava falida.
Mas quem pensa que tudo acabou bem em toda essa história, está redondamente enganado, pois, os “Borboletas Azuis” causou grande transtorno na pequena localidade de Cobra do Meio, um lugarzinho esquecido por Deus e distante de tudo, encravado no sertão do nordeste.
Alguém, mais curioso, pode querer saber: Por que Cobra do Meio? Em poucas palavras posso explicar: Conta-se na região, que ao ser abandonado pela esposa, certo Coronel Armando de Tal, deu pra beber em bico de garrafão e quando já estava trincando nos cascos, saia pelos matos correndo atrás de tudo que encontrava pela frente. Em uma dessas suas viagens em céus de diamantes, o coronel deparou-se com uma cobra tamanho gigante, ou melhor, uma cobra não, ele deparou-se com três cobras e com a mania que tinha de perseguir bichos pelo mato, ele resolveu correr atrás das cobras. Não deu outra, pois, ao que me consta não existe cobra boazinha, cobra freira, irmã de caridade e uma delas injetou-lhe tamanha dose de veneno no dedão da mão esquerda, que o coronel foi encontrado duas horas após o incidente, com o dedão mais crescido e mais vermelho que uma bola três de bilhar. Encaminhado às pressas a um hospital da cidade mais próxima, o coronel não teve muito tempo para explicar que tipo de cobra havia lhe picado, a única coisa que conseguiu falar para o médico, era que havia sido picado pela cobra do meio e dito isso, viajou nas asas do primeiro morcego que atravessou seu caminho. Devastaram a fazenda do coronel a poder de foice e enxadão a procura da tal cobra do meio, mataram centenas de outras cobras e nada, só podia ser uma espécie nova, pois, ninguém da região jamais havia escutado falar de tal peçonha. Quando todos já davam por encerrada as buscas, eis que surge a ex-esposa do coronel, obviamente, em busca de herança e esclarece que o ex-esposo quando bebia, enxergava as coisas em triplicidade, portanto, a cobra do meio jamais existiu. O povo, no entanto, já havia criado um mito e não se conformou com a explicação da ex-esposa do coronel e a cobra do meio acabou virando lenda e nome do lugar.
Era nesse mundo de crenças e misticismos que vivia Dona Genoveva, benzedeira e rezadeira do lugar. O padre aparecia em Cobra do Meio de três em três meses e mesmo assim, chegava cedo, sapecava uma missa de trinta, quarenta minutos e desaparecia na poeira vermelha da estradinha de chão batido.
Cobra do Meio, no entanto, não estava fadada a viver eternamente em rotina pacata e longe do desenvolvimento do tecnológico. Pois, quando menos se esperava, Dona Genoveva recebeu visita do sobrinho Nonato vindo da capital e em sua bagagem trazia um aparelho de rádio, até então, modernismo de cidade grande jamais visto na  região.
Devidamente instalado, o aparelho virou atração do lugar. Todas as noites, as pessoas se reuniam em frente à casa de Dona Genoveva para ouvir rádio. E envolto nessa nova atração de ouvir rádio, mudar de estação a procura de coisa mais interessante, certa noite Dona Genoveva sintonizou uma emissora de Campina Grande que naquele exato momento entrevistava o novo messias, Roldão Mangueira de Figueiredo, que por sua vez, falava de sua profecia que dava o mundo por encerrado em treze de maio de 1980 e nem um dia mais.
A notícia do final dos tempos dividiu o povo de Cobra do Meio, uns acreditavam, outros não e ainda tinham aqueles que não queriam nem saber. Dona Genoveva, no entanto, abraçou a causa do novo profeta e fez da mesma uma bandeira, convertendo e arrebanhando seguidores para os “Borboletas Azuis”.
Na noite do dia doze de maio de 1980, Dona Genoveva deu por encerrada sua missão aqui na terra e após despedir-se de todos, deitou-se em sua cama em posição póstuma, para aguardar o final do mundo. No outro dia bem cedo, quando foram acordá-la para comunicar-lhe que o mundo não havia acabado, encontraram-na mais morta que nunca. O mundo realmente havia chegado ao seu final para Dona Genoveva, assim como havia profetizado Roldão Mangueira de Figueiredo, líder dos "Borboletas Azuis". 
Hoje, quarenta anos após a música “Pra não dizer que não falei de flores” ou “Caminhando”, como preferirem, ter se transformado no hino da resistência contra o regime opressor, vejo com surpresa, Geraldo Vandré dar uma entrevista em rede nacional, dizendo que jamais foi um antimilitarista e que a música Fabiana, composta por ele, é uma homenagem a Força Aérea Brasileira. 
Lástima que mi héroe El Cid se ha convertido en Don Quijote de la Mancha!

                             

                                                                                                01/01/2011

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