sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Lola e os meninos da Rua Delta


Meninos da Rua Delta

Manhã de sábado. Os meninos divertiam-se tranquilamente em um lote vago que lhes servia de campo. De repente, na ânsia de marcar mais um tento para a sua equipe, Vitor embicou a bola em direção ao gol adversário. Além de passar longe do alvo, a bola foi cair bem no meio do matagal de outro lote vizinho. De cara feia e resmungando Vitor foi buscar a bola, a regra valia para todos: Quem jogasse a bola no mato tinha que buscar.
Os meninos já estavam impacientes de tanto esperar, quando ouviram um chamado vindo do interior do matagal: - Hei pessoal, venha ver o que eu encontrei!
Conhecedor das trapaças de Vitor, Paulinho respondeu: - Essa é velha! Você quer é ajuda para procurar a bola!
Percebendo que não ia convencer os amigos a irem até o matagal, Vitor pegou a bola, voltou para o campinho improvisado e o jogo recomeçou.
Após o término da partida, Vitor esperou os meninos se dispersarem, em seguida chegou perto de Paulinho e Marcelo e após cochichar alguma coisa em seus ouvidos, saíram os três em direção do matagal.
Chegando lá, Vitor mostrou aos amigos a novidade: Um filhote de cachorro amarrado em uma pedra e colocado bem em cima de um formigueiro.
- Que Maldade!
Exclamou Paulinho.
- Já deve estar morto!
Observou Marcelo.
Enquanto os amigos se afastavam, Vitor continuou cutucando o filhote com um pedaço de pau e ao perceber que o mesmo se mexeu, emocionado e com a voz quase embargada, gritou:
- Hei pessoal, ele está vivo!   
Paulinho e Marcelo ao ouvirem os gritos de Vitor, voltaram e juntos puseram a desamarrar o filhote para tirá-lo daquele sofrimento.
Após libertarem o filhote e afastá-lo para longe do formigueiro, os três amigos puseram-se a retirar as formigas que insistiam em lhe picar.
O estado do recém nascido era delicado. Ele mal movia as patinhas, seus olhos inchados não abriam e sua barriga estava toda em bolhas.
- E agora, o que vamos fazer?
Perguntou Marcelo.
- Ora! Vamos cuidar dele! 
Falou Paulinho.
- Mas como?  Nossos pais não vão deixar!
Voltou a observar Marcelo.
Um longo silêncio reinou entre os meninos, até que Vitor deu uma idéia: - Nós vamos cuidar dele escondido, ninguém precisa saber de sua existência.
Mais uma vez os três ficaram em silêncio até que Vitor manifestou-se novamente: - Olha pessoal, lá em casa tem um tubo de pasta d’água, nós podemos usá-lo no filhote e logo ele ficará bom.
- E pra que serve essa tal pasta d’água?
Perguntou Paulinho.
- Serve pra queimaduras e irritações na pele dos bebês. 
Respondeu Vitor.
- Você é veterinário?
Insistiu Paulinho.
- Não sou veterinário, mas quando eu era pequeno a minha mãe usava pasta d’água quando eu ficava com o bumbum queimado.
Falou Vitor irritado.
Vendo que aquela discussão infundada só estava prolongando o sofrimento do filhote, Marcelo falou com voz autoritária:
- Chega de conversa tola... Vamos logo pra casa cuidar do nosso amiguinho!
Imediatamente, os três amigos seguiram para os fundos da casa de Vitor e enquanto passava a milagrosa pasta d’água no filhote, Marcelo fez uma grande descoberta: - Pessoal, o filhote é uma cachorrinha!
Paulinho e Vitor não deram muita importância à descoberta, pois, àquelas alturas o que menos importava era o sexo do bichinho.
Devidamente medicado, era chegada a hora de decidir como e quem iria cuidar do mesmo e após muita conversa, ficou decidido que a responsabilidade seria de todos: Vitor que estudava no turno da tarde tomaria conta do filhote na parte da manhã e Marcelo e Paulinho que estudavam no turno da manhã, tomariam conta na parte da tarde.
Quanto à alimentação do filhote, esta também seria dividida: Ora o leite viria da casa de Marcelo, ora da casa de Vitor ou Paulinho. 
Devidamente cuidado ao final de duas semanas, o filhote já se apresentava totalmente recuperado da crueldade a qual havia sido submetido em seus primeiros instantes de vida e já começava a dar seus primeiros passos em direção de seus donos.

Segredo ameaçado

Certo dia, Seu Alfredo, pai de Vitor, resolveu fazer uma caminhada pelo quintal e enquanto caminhava despreocupadamente, acabou por descobrir o filhote bem escondido sob umas telhas velhas que ficavam nos fundos de sua casa.
Durante toda tarde daquele dia, Seu Alfredo ficou vigilante, ele queria saber a quem pertencia aquele vira-lata instalado em sua propriedade. Lá pelas tantas, ele percebeu quando Marcelo e Paulinho pularam a cerca dos fundos de seu lote e foram levar leite para o filhote.
Pacientemente, Seu Alfredo esperou a chegada de Vitor da escola e lhe pediu explicações. Com muita sabedoria, Vitor explicou-lhe que aquele filhote pertencia a Marcelo e Paulinho, como seus pais não os deixavam criar em suas casas, ele permitiu que eles o deixassem ali por alguns dias.
Não muito convencido, mas vendo que as explicações do filho tinham algum fundamento, Seu Alfredo fez vistas grossas e não tocou mais no assunto.
A verdade foi que o truque de dizer que o filhote pertencia à outras pessoas havia funcionado maravilhosamente, assim como haviam combinado os três amigos. Quanto ao desaparecimento da pasta d’água e o gasto excessivo de leite, os pais dos três amigos, sequer desconfiaram.
O tempo passou e o filhote cresceu, era chegada a hora de tornar pública a existência do mesmo. Os três amigos tinham certeza de que os demais meninos da rua iriam morrer de inveja, quando soubessem que eles tinham um filhote só deles. 
Sabedores de que não poderiam contar com o apoio dos pais para cuidarem do filhote, os três amigos combinaram que ele iria morar sob um frondoso pé de Flamboyant plantado sobre a calçada, bem na divisa da casa de Vitor com a casa de Marcelo.
Antes, porém, de contar a novidade pra todos os meninos da rua, Vitor reuniu-se com Marcelo e Paulinho e disse:
- Precisamos escolher um nome para o nosso filhote.
- É verdade, nunca vi um cachorro sem nome.
Falou Marcelo.
- Só que ela não é um cachorro e sim uma cachorra.
Observou Paulinho.
- Não interessa, tanto faz ser cachorro ou cachorra, o filhote tem que ter um nome.
Retrucou Marcelo.
Amenizados os ânimos, Vitor marcou para o dia seguinte a escolha do nome do filhote, pedindo aos dois amigos que pensassem bem durante a noite, em um bom nome.
No dia seguinte, no lugar e hora marcados os três amigos estavam reunidos novamente. Cada um iria dar uma sugestão para o nome do filhote.
Vitor foi o primeiro falar e não satisfeito em apenas sugerir um nome, resolveu também justificar sua escolha. Ele contou para os amigos, uma história tão comovente de um filme que havia assistido, cujo nome da cachorrinha, personagem principal, era Lola. Marcelo e Paulinho, sensibilizados com história que o amigo acabara de contar, sequer deram suas sugestões.
 Os outros meninos da rua, assim que ficaram sabendo da existência de Lola, acharam muito estranho aquele nome. Os três amigos, no entanto, achavam que aquele nome era o ideal para o filhote, pois era o nome da cachorra do filme, que Vitor havia assistido.
Somente muito tempo depois, foi que Marcelo e Paulinho descobriram que o tal filme que Vitor havia assistido, jamais existiu e tudo não havia passado de uma invenção da imaginação fértil do amigo. 

A cachorra da vizinha

À medida que ia crescendo, Lola ia também observando as desigualdades do mundo. Em frente à casa de Seu Alfredo, moravam Seu Cazé, Dona Lúcia e Joana, a filha do casal, com eles vivia também a cachorrinha  Melissa.
 Todos os dias, Lola via Melissa sair com seus donos para passear de carro, enquanto ela jamais havia colocado seus pés, ou melhor, suas patinhas dentro de um veículo.
De início, Lola sentiu um pouco de inveja de Melissa, mas com o passar do tempo, ela foi percebendo que a sua vida pacata e tranquila era tão boa, ou melhor, que vida daquela cachorrinha metida à besta.
A vida de Lola podia não ter grandes atrativos, no entanto, era uma vida livre, coisa que Melissa, criada com tanta frescura, não tinha.
Melissa, quando não estava passeando de automóvel, estava na janela da casa latindo com tudo quanto era pessoa que passava na rua.  
Lola, ao contrário da vizinha, tinha outras atividades para ocupar o seu tempo. Quando não estava deitada sobre um banquinho de madeira, à sombra do Flamboyant, estava jogando Doguebol com os meninos da rua, esporte este que ela aprendeu rapidamente.
Por falar em Doguebol, você sabe praticar este esporte?
Não?
Pois bem, então vou ensinar:
Primeiro você arranja um parceiro, depois uma bola e um cachorro. Ai, você joga a bola pra seu adversário e ele joga a bola pra você, enquanto o cachorro fica correndo pra e lá e pra cá, tentando pegar a bola. Quando o cachorro conseguir pegar a bola, aquele que tiver atirado a mesma perde um ponto e assim por diante. Aquele que perder os cinco primeiros pontos sai para entrar outro menino em seu lugar. É muito divertido e você pode passar horas felizes, após ter feito o dever de casa e ajudado sua mãe nas tarefas domésticas. É claro!
Bom, agora que você aprendeu a jogar Doguebol, vamos continuar nossa história.
Quando chegava o dia da vacinação, havia uma grande competição de Doguebol entre os meninos da rua pra saber quem iria levar Lola pra vacinar. Até Vitor, Marcelo e Paulinho que eram seus donos, entravam na disputa e o vencedor, era o escolhido para a tarefa.
Quando Lola atingiu a idade adulta, não havia uma só pessoa da rua que não soubesse seu nome e tivesse por ela certa simpatia. Ela era a cachorra mais conhecida de toda a cidade.

Esperando bebê

Em uma tarde, enquanto jogava Doguebol com seus amigos, Paulinho olhou bem para Lola e gritou:
- Vitor, olha só como Lola está gorda!
Imediatamente, percebendo que não tinha mais como esconder seu estado, Lola parou de jogar Doguebol e com o rabo entre as pernas, foi deitar-se à sombra do Flamboyant, enquanto os meninos em coro gritavam:
- Lola vai ser mamãe!
- Lola vai ser mamãe!
- Lola vai ser mamãe!
Seu Salomão, um simpático velhinho aposentado, que passava horas na janela de sua casa, apreciando a brincadeira dos meninos, percebendo a reação de Lola diante da constatação de Vitor, murmurou baixinho como se estivesse falando para ele mesmo:
- Essa cachorrinha é inteligente feito gente!
A cada dia que passava, Lola se apresentava mais barriguda, mais preguiçosa e mais dorminhoca.
Em uma reunião entre os meninos da rua ficou determinado: Ninguém mais, a partir daquele dia, podia jogar Doguebol com Lola, pois durante o período de gestação ela iria precisar fazer muito repouso e ser tratada com muito carinho.
Vitor tinha um amigo na escola, cujo pai era amigo de um veterinário. Apresentado ao veterinário, pelo pai de seu amigo, com uma boa conversa, Vitor acabou convencendo-o a fazer uns exames gratuitos em Lola.
Após haver examinado Lola e constatar seu bom estado de saúde, o veterinário receitou apenas uma fórmula de vitamina para ela.
De receita na mão, Vitor, Marcelo e Paulinho partiram para arrecadar o dinheiro e comprar a tal vitamina. Nessa tarefa, todos os meninos da rua foram intimados a colaborar: Uns deixaram de merendar na escola por um dia, outros fizeram pequenas tarefas em casa, outros venderam figurinhas, outros... A verdade é que no dia seguinte, o dinheiro estava arrecadado, a vitamina havia sido comprada e Lola estava iniciando seu tratamento.

Dois lindos filhotes

Todas as manhãs, antes de seguirem para a escola, Marcelo e Paulinho corriam até o velho Flamboyant, para ver como Lola havia passado a noite. Certo dia, porém, para a surpresa dos dois, Lola não estava deitada sobre o banquinho. Os meninos gritaram Lola pelo nome e ela não apareceu.
Preocupados com o fato, foram bater à porta da casa de Vitor e após acordá-lo, pediram que ele procurasse por Lola.
Vitor andou mais de uma hora a procura da fujona, quando já estava quase desistindo, teve uma grande idéia: Ele caminhou até o lote vago, que lhes servia de campo e lá, bem encostadinha ao muro, estava Lola e seus dois bebês que mamavam despreocupadamente.
 Quando as aulas do turno da manhã terminaram, Vitor já aguardava os amigos na porta da escola e assim que os dois ficaram sabendo da novidade, juntamente com Vitor, saíram cantando pela rua:
- Lola ganhou bebê!
- Lola ganhou bebê!
- Lola ganhou bebê!
Quando chegaram à Rua Delta, a passeata que a princípio era composta apenas pelos três amigos, já contava com mais de vinte meninos.
Logo, os mais apressadinhos se dispuseram a escolher os nomes dos filhotes, mas para que isto pudesse acontecer, primeiro precisavam saber o sexo dos mesmos. Não demorou muito e Vitor gritou:
- Hei pessoal, esse aqui é um machinho!
Paulinho que estava com o outro filhote na mão, também gritou:
- E essa aqui é uma fêmea!
A primeira providência dos três amigos foi a de remover Lola, do campinho de futebol para o pé de Flamboyant. Os meninos entendiam que ali era a sua morada e era ali que Lola deveria criar sua família.
De imediato, os pais de Vitor e Marcelo não viram com bons olhos aquela criação de cachorros bem à porta de suas casas, mas depois de ouvirem os argumentos dos filhos, acabaram aceitando.
Quanto à escolha dos nomes, esta seria feita quando os mesmos completassem uma semana de vida.

A escolha dos nomes

Vencida a primeira semana de vida dos filhotes, é chegada a hora de escolher os nomes para os mesmos. Depois de muitas reuniões, discussões e discursos inflamados, ficou decidido que a escolha seria feita no voto, com urna e tudo mais. Por outro lado, isso evitaria novas histórias comoventes de Vitor.
Todas as crianças poderiam votar desde que preenchessem as seguintes exigências:
·        Tinha que gostar de cachorro;
·        Precisava morar na Rua Delta;
·        Tinha que fazer um juramento de nunca maltratar os animais.
Abertas as urnas e feito a apuração dos votos, democraticamente, o filhote macho recebeu o nome de Puppy, enquanto a fêmea recebeu o nome de Layla.
Puppy e Layla, caso aparecesse alguma pessoa interessada poderiam ser adotados, desde que o candidato a adoção, também preenchesse algumas exigências:
·        Tinha que morar na Rua Delta;
·        Tinha que se comprometer a cuidar bem dos filhotes;
·        Tinha de deixar os filhotes jogarem Doguebol com os meninos.
Dona Lúcia, esposa de Seu Cazé, logo se interessou por Layla, segundo ela Melissa estava se sentindo muito só e precisava de uma companheira.
A princípio, Melissa ficou de nariz torcido com a adoção, mas com o passar dos dias as duas se tornaram grandes amigas.
Puppy continuou vivendo ao lado de Lola e a exemplo da mãe, desfrutava da grande amizade de Vitor, Marcelo, Paulinho e todos os demais meninos da rua, se transformando em um exímio jogador de Doguebol.
 Layla, mesmo desfrutando de todas as regalias na casa de Dona Lúcia, quase todos os dias atravessava a rua e ia visitar sua mãe e o irmão que continuavam vivendo felizes sob o pé de Flamboyant. Em suas escapadinhas, Layla sempre arriscava uma partidinha de Doguebol com os meninos da rua, mas a falta de treino fazia com que ela logo se cansasse e voltasse para casa.

Socorro! A carrocinha levou Puppy!

Certo dia, ao voltarem da escola, Marcelo e Paulinho encontraram Vitor muito nervoso: Puppy havia desaparecido.
Enquanto Vitor seguia preocupado para a escola, Marcelo e Paulinho e mais alguns voluntários davam início a uma verdadeira caçada a Puppy.
Lola choramingando sem parar um instante, acompanhou os meninos durante toda à tarde. Parecia que ela queria dizer algo a eles. Quando o sol já se punha, Vitor que já havia retornado da escola e se juntado a seus amigos, teve uma grande idéia:
- Hei pessoal, vamos até a casa de Seu Salomão, talvez ele tenha alguma notícia do Puppy!
Afoitos e descompassados os meninos bateram à porta da casa de Seu Salomão, uma, duas, três vezes e assim que o velho abriu a porta, todos perguntaram de uma só vez:
- O senhor sabe onde foi parar Puppy?
Seu Salomão, meio atordoado com aquela confusão toda convidou os meninos para dentro e disse o que viu na manhã daquele dia:
   - Olha meninos, às dez horas mais ou menos, eu cheguei à janela e vi quando a carrocinha da prefeitura já ia desaparecendo lá no final da rua e percebi também que Lola corria atrás dela e latia sem parar. Pode ser que ela tenha levado Puppy.
Os meninos entreolharam-se e balançaram suas cabeças, tudo que eles mais temiam havia acontecido.
- Seu Salomão, quando um cachorro é levado pela carrocinha, o acontece com ele?
            Perguntou Paulinho, com ares de preocupação.
            Pacientemente, Seu Salomão alisou o bigode branco e pôs-se a responder a pergunta:
- Bom, quando um cachorro é levado pela carrocinha e o seu dono não vai buscá-lo, dentro de no máximo três dias, ele acaba virando sabão.
- Sabão!?
Perguntaram os três amigos, quase que ao mesmo tempo.
- Vamos buscá-lo agora mesmo!
Gritou Marcelo.
- Hoje não dá mais, o canil já encerrou o expediente.
Disse Seu Salomão, com voz compassada
- Então vamos amanhã!
Retrucou Vitor.
- Não esqueçam que amanhã é sábado e o canil encerra seu expediente ao meio dia e não esqueçam também de levar um responsável junto com vocês.
Voltou a observar Seu Salomão.
- Um responsável? Essa não!
- Meu pai, jamais me acompanharia até o canil!
Disse Vitor.
- Nem o meu!
Disse Marcelo.
- O meu nem pensar!
Completou Paulinho.
Diante do problema surgido, os três amigos, despediram-se de Seu Salomão, agradeceram e saíram pra a rua. Antes de seguir cada um para sua casa, os três combinaram pensar no assunto durante a noite e encontrar uma solução até a manhã do dia seguinte.
Na manhã de sábado, Vitor levantou-se bem cedinho, foi até as casas de seus amigos e expôs seu plano para resgatar Puppy:
- Se não podemos contar com nossos pais, que tal se levássemos nosso avô como nosso responsável? 
- Como assim, se nossos avôs não moram aqui?
Retrucou Marcelo.
- Bom este assunto de avô, você deixa comigo.
Voltou a falar Vitor.
Paulinho, que assistia calado, todo o desenrolar da conversa, virou-se para Marcelo, murmurou baixinho:
- O que será que esse maluco vai aprontar dessa vez?

 Negociando um avô

Em silêncio, Vitor caminhou em direção a casa de Seu Salomão. Apreensivos, seus amigos seguiram-no à distância. Vitor bateu à porta várias vezes e nada de Seu Salomão. Certamente, ainda estava dormindo.
Após meia hora de batucada, com cara de sono, Seu Salomão apareceu à janela e ao ver os três amigos, foi logo perguntando:
- O que é que vocês querem dessa vez?
Sem perda de tempo, Vitor foi logo dizendo:
- Queremos negociar!
Seu Salomão, bastante irritado e com cara de poucos amigos, abriu a porta e deixou que os três desocupados entrassem.
- O que é que vocês querem negociar?
Sem nenhuma cerimônia, Vitor perguntou:
- O senhor tem algum neto?
Com os olhos sonolentos e com a voz trêmula, Seu Salomão respondeu:
- Não!
Sem pestanejar, Vitor foi logo dizendo:
- Pois então, a partir de hoje, seremos seus netos, fiéis e comprometidos com nossos deveres, retribuiremos tudo que o senhor fizer por nós.
- Aonde você quer chegar com esta proposta absurda?
Perguntou Seu Salomão.
- Queremos que o senhor nos ajude a resgatar o Puppy, antes que ele vire sabão.
Respondeu Vitor.
Emocionado e não tendo como dizer não a proposta de Vitor, Seu Salomão foi se aprontar para cumprir sua primeira tarefa como avô.
Enquanto Vovô Salomão se aprontava, Vitor correu até sua casa e minutos depois, estava de volta trazendo um velho paletó de seu pai.
Seu Salomão hesitou em vestir o paletó, mas diante da insistência do neto, acabou cedendo.
Quando Seu Salomão introduziu a chave na ignição do velho Fusca, o mesmo não pegou, a bateria estava arreada. Imediatamente os três amigos desceram do veículo e puseram a empurrá-lo e minutos depois a viagem teve seu início.
No decorrer da viagem, os três amigos que viajavam no banco traseiro do velho Fusca, olharam no retrovisor e disseram ao mesmo tempo:
- Vovô, coloque os óculos! Todo avô tem que usar óculos!
Seu Salomão deu seta para a direita e após encostar o velho Fusca, como manda as leis do trânsito, retirou os óculos do porta luvas, limpou suas lentes demoradamente, fez uso dos mesmos. 
A maneira simples e detalhada, com que Vovô Salomão efetuou aquela manobra, fez com que meninos o aplaudissem calorosamente.
Assim que chegaram ao canil da prefeitura, os três amigos acompanhados de Vovô Salomão seguiram para a sala do diretor do canil.
Seu Salomão apresentou-se ao diretor como sendo avô o responsável pelos meninos. O diretor arrogante e autoritário, preocupado em mostrar-se importante, sequer, observou que aquelas crianças tinham características físicas tão diferentes uma das outras.
Antes de abandonarem a sala do carrancudo diretor, Seu Salomão e os três amigos, ainda tiveram que ouvir algumas asneiras, ditas por este:
- Olha meu bom velhinho, quero deixar bem claro para o senhor e seus netos, que se o vira-lata de vocês for pego novamente na rua, vai virar sabão imediatamente. Só mais um detalhe, antes de saírem, não se esqueçam de pagar a taxa liberatória!
Ao ouvirem o diretor falar na taxa liberatória, os três amigos olharam para Seu Salomão com olhares tão piedosos, que o bom velhinho logo se comprometeu a quitar o débito.
Durante a viagem de volta, com Puppy ora no colo de um, ora no colo de outro, Seu Salomão fez a seguinte pergunta:
- Onde Puppy vai ficar de agora em diante, já que ele não poderá mais ficar na rua?
- Era exatamente nisso que eu estava pensando.
Falou Vitor.
- Bom, eu acho que ele ficaria muito bem instalado na garagem de sua casa Vovô!
Observou Marcelo.
- Eu também acho.
Concordou Paulinho.
Naquele momento, Seu Salomão sentiu um arrependimento enorme de ter aceitado ser avô daqueles três trapaceiros e disse:
- Hospedar cachorro em minha garagem, não faz parte de nosso trato!
- Bom, eu queria dizer que um bom avô faz tudo aquilo que os netos pedem.
Falou Vitor, sem constrangimento.
Na esperança dos três amigos mudarem de idéia, Seu Salomão fez a seguinte proposta:
- Eu só aceito do Puppy morar em minha garagem, se vocês fizerem o serviço de limpeza do jardim, da garagem, além dos mandados que eu precisar.
Imediatamente os três falaram:
- Aceitamos!
Diante da determinação dos três em aceitar a proposta, Seu Salomão percebeu que a segurança de Puppy representava para eles bem mais do que ele imaginava.

O retorno de Puppy

Quando o velho fusca estacionou em frente à casa de Seu Salomão e Puppy saltou para fora do mesmo, Lola que há dois dias não se alimentava, tamanha era a sua tristeza, deu início a maior festa, ora acariciando Puppy, ora pulando sobre Vitor, Marcelo e Paulinho e ora esfregando-se nas pernas de Vovô Salomão.
As outras crianças da rua, que aguardavam ansiosamente com faixas e cartazes improvisados a volta de Puppy, gritavam sem parar:
- Viva, o Puppy voltou!
- Viva, o Puppy voltou!
- Viva, o Puppy voltou!
Seu Salomão, constrangido diante daquela algazarra, a todo o momento fazia menção de recolher-se para o interior de sua casa, mas os meninos empolgados com o acontecimento pediam que ele ficasse.
Os pais da Rua Delta, vendo a alegria dos filhos com o retorno de Puppy, também entraram na festa e comemoraram o acontecimento.
E durante o resto daquele dia, várias partidas de Doguebol foram disputadas entre as crianças da rua, tendo Puppy como atração principal. Vez ou outra Puppy era substituído por Lola ou Layla, mas assim que descansava um pouco, ele voltava à luta.
E assim foi-se o festivo sábado, um novo dia amanheceu... Depois outro... Depois outro... E a Rua Delta voltou a sua normalidade.
Lola continuou vivendo feliz sob o velho Flamboyant e recebia diariamente a visita Puppy e Layla além de poder contar sempre com a proteção e a amizade dos três amigos inseparáveis.
Puppy, foi adotado por Vovô Salomão e passou a desfrutar de todo conforto que um cachorro pode ter, além de todos os dias poder jogar Doguebol com os meninos da rua.
Layla, apesar de viver sob o mesmo teto com Melissa, preservou seus bons costumes e continuou sendo uma cachorrinha simples, educada e admirada por todos.
Vitor, Marcelo e Paulinho continuaram sendo amigos inseparáveis e preservaram toda a família de Lola unida a eles e Vovô Salomão que viveu quase toda sua vida sem possuir sequer um parente, de uma hora pra outra ganhou um cachorro e três netos trapaceiros.


FIM

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